ABSTRACT
Historicamente, estão-nos reservadas muitas surpresas, no que diz respeito à musicoterapia na sua base inicial, ainda desprovida de uma terminologia assente e definida, nem muito menos actos providos de pruridos nomenclaturais. Hoje poderemos enquadrar muitos dos acontecimentos musicais passados no âmbito da musicoterapia como a entendemos agora. Embora não seja nossa intenção, entrar pelo lado da terapia clínica, bem como pelos caminhos da criação de um ramo da ciência médica ligada à musicoterapia. É nosso dever, estabelecer uma ligação entre a musicoterapia e a educação, ou desenvolver na actividade docente estratégias de terapia ocupacional, com todas vantagens e desafios que esta prática constitui.
Palabras clave: musicoterapia, educacão, ciencia
«Porque a receptividade da música pelo homem é única, a musicoterapia dá uma contribuição única ao sem bem-estar» (actas do International Symposium of New York (1982).
Historicamente, estão-nos reservadas muitas surpresas, no que diz respeito à musicoterapia na sua base inicial, ainda desprovida de uma terminologia assente e definida, nem muito menos actos providos de pruridos nomenclaturais. Hoje poderemos enquadrar muitos dos acontecimentos musicais passados no âmbito da musicoterapia como a entendemos agora. Embora não seja nossa intenção, entrar pelo lado da terapia clínica, bem como pelos caminhos da criação de um ramo da ciência médica ligada à musicoterapia. É nosso dever, estabelecer uma ligação entre a musicoterapia e a educação, ou desenvolver na actividade docente estratégias de terapia ocupacional, com todas vantagens e desafios que esta prática constitui.
As canções de embalar são o mais banal exemplo de acalmia e consentimento do harmonioso da paz e da acalmia interior, constituindo um sedativo / efeito tranquilizante efectivo e eficaz. O próprio conceito de harmonia (ordem, medida, equilíbrio) já é um efeito em si, pois cria no ouvinte a sensação de estabilidade, serenidade e de equilíbrio emocional.
Tudo quanto é festa, comemoração, funeral, missa, ou outros rituais, a música marca presença como forma de alienar ou preparar emocionalmente o ser humano para um qualquer acontecimento. Na actualidade até um simples noticiário obedece a regras de acompanhamento de música, o que dizer de um bom filme sem uma boa banda sonora, de uma peça de teatro sem um consistente suporte musical, etc. Desde a antiguidade à actualidade os exemplos são inúmeros: A música executada por David, para que desta forma conseguisse acalmar a angústia do Rei Saul; ou o uso da mesma em rituais de exorcismo e do espantar espíritos malévolos (com guizos, chocalhos, tambores, flautas e a voz); Platão aconselha na Educação Musical do cidadão, a escolha dos modos Dóricos e Frígio, os quais elevam a alma; Aristóteles achava que a audição de algumas melodias que provocassem o êxtase, poderiam resolver alguns problemas emocionais; os árabes exercitavam o “ encantamento” do doente através da música (usando uma flauta); no Renascimento, vários livros de medicina referem a importância do uso da música, como forma de distracção dos doentes em relação ao seu sofrimento; no Século XVI, constroem-se instrumentos musicais feitos de madeiras medicinais, pensando-se que teriam o som e a contacto com esses instrumentos, o mesmo efeito curativo que as plantas medicinais; Richard Brow afirma que a prática coral (canto) influencia o ritmo cardíaco, a digestão e a respiração, recomendando ainda o seu uso em casos de asma crónica periódica; Tisssot profere que a música é contra indicada para as epilepsias; em 1820 e 1880, um grupo de famosos médicos iniciam em França a aplicação sistematizada da musicoterapia; até ao século XX a musicoterapia foi sempre ministrada por médicos, sem a presença de músicos, pois não os havia com formação a esse nível, mas em meados deste século aparecem os primeiros musicoterapeutas conhecedores de terapêuticas, patologias e técnicas musicterapêuticas; em 1950 nos E.U.A. funda-se a primeira Associação de Musicoterapia (licenciatura +Congresso Anual); cria-se em 1958, pelas mãos de J. Alvin a Associação de Musicoterapia em Inglaterra (revista + pós-graduação + curso); inicia-se em 1958, na Academia de Música de Viena, um curso (semestral) de musicoterapia; 1968 a 1972, novas associações de Musicoterapia na Argentina e França, respectivamente; novos cursos de Musicoterapia nos países nórdicos, na Escola Aalborg, conjuntamente com o Real Colégio Dinamarquês das Ciências da Educação; em 1972, realiza-se o primeiro Seminário Internacional de Musicoterapia, em Paris; em 1970, Portugal dá os primeiros passos em direcção à musicoterapia, criando um grupo de trabalho integrado no curso de Educação pela Arte e da Associação Portuguesa de educação Musical; 1987, J. Alvin participa numa das muitas actividades ligadas à musicoterapia organizadas pela Fundação Calouste Gulbenkian; a Divisão regional de Educação especial da Madeira, conjuntamente com a Universidade de Montpelier, cria o primeiro curso de formação de musicoterapeutas, donde saíram os fundadores da actual Associação Portuguesa de Musicoterapia.
O aparecimento destas acções com a designação de Musicoterapia terá como origem provável a Grécia Antiga. Os gregos entendiam a música como uma harmonia máxima, uma vez que estabeleciam uma relação privilegiada entre a saúde e a música, para além de verem a música como entidade possuidora de um valor terapêutico em si mesma, e não apenas como intermediário para comunicar com os espíritos causadores de doenças.
Desta feita, estava descoberto o conceito e a sua primeira utilização enquanto terapia e técnica, embora somente se referissem à audição e não à execução. A audição vulgarmente dita, é responsável por uma das maiores fraquezas do ser humano, a capacidade de abstracção plena. Pois segundo J. Alvin (1973) a música penetra-nos ouvido adentro. O seu poder de profunda penetração é imenso e contra ele parece não termos grandes defesas. Isto porque, pode-se não ver, não tocar, não escutar, mas não ouvir, mesmo sendo inconscientemente, parece ser impossível, exceptuando o caso extremo da surdez. A música chega mesmo aos indivíduos que consideramos não musicais, embora de maneira diferente, mas chega e não deixa ninguém indiferente, pois tem uma força de associação e de evocação extraordinária. A música tem a capacidade inata de criar imagens mentais, fantasias de um mundo imaginário, pese embora com as suas leis físicas, lógicas e domínios variados.
A musicoterapia encerra sobre si própria um processo terapêutico, enquanto que a música em terapia, é um fundo musical utilizado em sessões terapêuticas (relaxamento com massagens etc.). Em terapia a música é um meio e não um fim.
O conceito de musicoterapia tem como qualquer outro, algumas vicissitude óbvias. Para Juliette Alvin (1973) a música é uma das mais fantásticas e profundas experiências humanas. É produto humano, portanto da sua lavra, sendo desta maneira criada pelo homem e dirigida a ele. Tanto se dirige à criança como ao adulto e ao seu corpo, à sua inteligência e, entre outras, às suas emoções.
Para A Association Française de Musicothérapie (1985:6) no seu Dossier d'Observation du Vécu Sonore, Rev. e Musicothérapie, a par da definição Oficial da Federação Mundial de Musicoterapia, consideram que:
A musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia), por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo destinado a facilitar e promover comunicação, relacionamento, aprendizagens, mobilização, expressão, organização e outros objectivos terapêuticos relevantes, a fim de atender às sua necessidades físicas, mentais, sociais e cognitivas. A musicoterapia busca desenvolver potenciais e/ou restaurar funções do indivíduo para que ele ou ela alcance uma melhor organização intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida, através da prevenção, reabilitação ou tratamento.
Enquanto que para Arquimedes Santos (1980), a definição de musicoterapia e os seus efeitos, retêm em si mesma outras considerações, sobre as quais estamos em consonância absoluta, pois não se deseja que se enfrente a musicoterapia como uma sustentada panaceia. Pretende-se, isso sim, procura estudar o mais concretamente exequível, os relativos efeitos das diversas vertentes do fenómeno extraordinário a que denominamos de música. Na qual o som e o ritmo executam, sendo componentes básicos, um papel fundamental (biologicamente o ser humano afectado). No que diz respeito à repercussão anímica, a tentativa de uma cientificação do fenómeno musical torna-se dificilmente objectável. Por exemplo para evocar os mitos de Orfeu e Pan, psiquicamente quem não sentiu os efeitos da música? Para além de Orfeu e Pan, os mitos de Hermes e Anfion, são exemplos clássicos e dignos de nota, sobre os efeitos transcendentes da música ao longo dos tempos.
No entender de E. Lecourt (1988), a musicoterapia pretende ser uma real aproximação sensorial sonora, essencialmente com fins terapêuticos, de alguns entraves psicológicos e de ligeiras patologias mentais. Os primeiros terapeutas a aplicar a musicoterapia em casos deste género foram: Fernanda Canelhas, Fernanda Prim e António de Oliveira. Esta prática é principalmente caracterizada pela experiência/experimentação sonora e experiência musical, sendo este o principal conteúdo das sessões de terapia em questão. A relação entre terapêutica compreende, em Musicoterapia, nas sinergias entre o paciente, a música e o terapeuta. Significando portanto, que a música não é pode ser considerada como terapia em si mesma, pese embora como técnica preparatória, as técnicas musicterapêuticas devem ser elaboradas com os olhos postos nesse objectivo. Por razões óbvias não partilhamos da mesma ideia e ponto de vista eminentes nesta proposta, pois veremos sempre a musicoterapia como um potencial auxiliar do ensino ordinário de um qualquer sistema de ensino, sem que para isso sejam imediatamente incorporadas doenças e patologias graves e, só ai, haja lugar há musicoterapia. Frontalmente discordamos.
O que quer dizer que a Musicoterapia se distingue do ensino da música, na medida em que a primeira tem por objectivo, fins terapêuticos e a segunda, transmissão de conhecimentos, de conceitos, de convenções e de técnicas instrumentais. Achamos um pouco exagerada esta afirmação, pois em nosso entender, não se deve conferir à musicoterapia um papel curativo em absoluto ou pretendermos que seja a cura de males. Para nós, é e será uma metodologia primordial para a ajuda a algo, nem que seja o ser humano a ter melhor qualidade de vida, ou até a saber apreciar melhor a sua vida e a musicalidade do mundo que o rodeia, e isso não quer dizer que essa pessoa seja um paciente. Caso seja aceite esta tendência, todo o ser humano é paciente em relação à música, pois é infinita a sua capacidade de surpreender, de emocionar, de fortalecer, de enfraquecer, de amenizar, de revoltar, de reforçar momentos, de alterar o nosso plano emocional e o nosso plano físico. Em suma é capaz de modificar o homem, o mesmo que é o alvo fundamental da musicoterapia.
Tudo poderá ser música e tudo poderá ser musicoterapia. Pois um aluno pode ter necessidade de ser submetido a experiências musicoterapêuticas, para desenvolver capacidades e fazer desabrochar outros talentos de apreciação do mundo ainda ocultos e, ao mesmo tempo, um paciente da musicoterapia, pode ser-lhe administrado a prática instrumental ou a canto de forma a recuperar caducidades adormecidas. Pois para J. Calvin (1973) é notório o contributo da musicoterapia no processo criativo tendente à auto-compreensão, ao aperfeiçoamento das capacidade e da intenção de empregar o potencial individual num ser humano, em domínios tais como a independência, a liberdade, a adaptabilidade, o equilíbrio e entre outros, a integração. Segundo o mesmo autor (1973) este conjunto de terapias desejam educar e reeducar o indivíduo no âmbito das suas reais possibilidades. Pretende ainda, abrir ou reabrir portas na comunicação nunca abertas ou que por uma ou outra razão se foram fechando gradualmente. Sabemos que sem comunicação não há desenvolvimento, não há contacto físico e psicológico, enfim tudo é estático e ténue na consagração dos seus objectivos.
Para C. Bang (1973) os princípios básicos da actuação musicoterapêutica, estão presentes constantemente a comunicação e o contacto: Primeiramente acha que a música pode estabelecer a ponte que faça o contacto com a ausência de palavras, pois é na musicoterapia que encontramos potencialidades pouco usadas noutras áreas de comunicação, sendo que estas interagem e ajudam profundamente o desenvolvimento de uma linguagem própria. Em segundo plano, elege a música como meio de comunicação de carácter emocional, pois ela aplica-se onde a comunicação verbal não chega facilmente. Por último pretende que desenvolver o que já existe na criança, pois é claro e sabido que o paciente descobre e desenvolve facilmente as suas potencialidades bem mais que as suas limitações.
Onde começa a música e onde acaba a musicoterapia, achamos que é delicado qualquer comentário. Achamos que a música deveria ter em si mesma, integrada numas das suas áreas curriculares e conteúdos a aprendizagem de técnicas e metodologias ligadas à musicoterapia, no sentido lato de prevenção e melhoramento da qualidade de vida do ser humano.
Concordamos com o que diz M. Geck (1973) quando se opõe ao uso exacerbado e directivo de matérias instrumentais para colmatar necessidades terapêuticas. Pois esquece-se facilmente que o tronco comum da Musicoterapia se orienta sobretudo na senda da descoberta de possibilidades de comunicação entre seres humanos. Quando se querem impor instrumentários rígidos e específicos para fins terapêuticos, dever-se-ia antes de mais facilitar o acesso das pessoas comuns a eles e, somente depois, tentar algum domínio técnico acompanhado do prazer da criação e da improvisação musical.
Para Lecourt (1988) o objectivo capital da musicoterapia não é a música, nas suas vertentes mais desenvolvidas, ou seja, Saber, Ensinar ou Tocar. Mas sim, fazer entender que em terapia, a música é um meio e não um fim. Pode também ser o alívio do sofrimento psíquico através de produções no mundo dos sons. Não interessa que tipo de sons, de música ou de ruídos que os pacientes produzem, mas que produzam, que os criem, que através deles expressem os seus sentimentos e emoções.
Os objectivos da Musicoterapia são para C. Bang (1973):
Em jeito de conclusão a Musicoterapia pode ter inúmeras formas de ser abordada, para nós nunca a estritamente curativa ou clínica. Queremos dar-lhe um outro sentido mais ocupacional e sensibilizador, capaz de mudar práticas e comportamentos, apenas e só. Sabemos que, para J. Alvin (1973:134)
Uma melodia pode provocar, em crianças da mesma idade, uma sensação de doçura, um estado de alma, uma emoção de serenidade, que provoca o estado de maturidade afectiva da criança. Ela tem a sua própria interpretação da música que ouve. Se se deseja realmente saber o que a criança tem em si, é preciso principalmente não lhe apresentar verbalmente a música, contando-lhe uma História que destrua por completo o efeito profundo da música. O que ela ouve e a forma como o interpreta são uma criação que vem dela e que corresponde às suas experiências física, intelectual e emotiva. Só poderá encontrar na música o que tem em si.
Finalmente cabe-nos esclarecer que a musicoterapia para nós, somente e por razões de vária ordem, não nos interessa aprofundar nas suas vertentes mais afincadamente curativas, muito menos clínicas. Apenas queremos servir-nos de algumas experiências que podem influenciar um ser humano, uma geração ou simplesmente conceder prazer na execução de um a qualquer actividade musical. É esta a nossa visão. Um musicoterapeuta na sua formação, segundo as diversas associações de musicoterapia a nível mundial, deve ser um profissional (porque tem uma carreira e um estatuto reconhecido em alguns países), com conhecimentos médicos, psicológicos, pedagógicos e musicais, pese embora não seja médico, nem psicólogo, nem músico. Portanto a sua formação deve assentar num vasto conhecimento teórico e prático da correcta utilização do mundo complexo do som, do mundo musical e principalmente do movimento.
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Escrito por Levi Leonido
Desde Portugal
Fecha de publicación: Octubre de 2006
Artículo que vió la luz en la revista nº 1 de Sinfonía Virtual.
ISSN 1886-9505
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