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A MÚSICA E OS SENIORES
Sandrine Milhano

Este artigo procura partilhar perspectivas geradas pela investigação científica recente e pela experiência no desenvolvimento de um projecto singular de valorização do envelhecer – o Conservatório Sénior, sobre os poderes da música enquanto arte, processo, produto, prática e ideias na criação de oportunidades, desafios e estímulos intelectuais para uma população sénior capaz e em crescimento. 
Pretende-se igualmente contribuir para a reflexão sobre dinâmicas, modelos de mediação e respostas de organização promotoras de estruturas de empowerment individual e colectivo dos seniores, bem como analisar os impactos proporcionados pela Música e a sua prática na melhoria de parâmetros sociais, de saúde e de qualidade de vida desta população

A música e os paradigmas sociais e psicológicos
Quando nos referimos à população sénior, num contexto de envelhecimento encontram-se inerentes as diversas alterações que tendem a afectar o significado, a perspectiva e a qualidade de vida desta população.
As modificações na sua situação profissional, nas relações familiares, no decréscimo de capacidades físicas, psicológicas e mentais, implicam muitas vezes reestruturações e reorganizações de todo um percurso até então construído. Por exemplo, de entre os efeitos do envelhecimento que mais afectam grande parte da população encontram-se o declínio da memória, da agilidade mental e da capacidade para tomar decisões. Estas perdas fisiológicas, mentais, psicológicas e também sociais são potencialmente causadoras de impactos na vida dos seniores, designadamente na estruturação, manutenção e renovação da sua rede social pessoal, e consequentemente com impactos na sua saúde (Sluzki, 1997).
Ainda a compreensão da componente psicológica intrínseca á condição do envelhecer é essencial no desenvolvimento de respostas contextualizadas e ajustadas, assim como as consequentes potenciais depressões muitas vezes prenunciadoras da dependência do sistema de segurança social e saúde (no caso português).
Neste contexto, surge muitas vezes o acelerar do envelhecer da mente – qual músculo desportista, fica flácido sem treino adequado. Este é o fenómeno presente, pois no futuro possivelmente teremos que acrescentar as consequências das famílias disruptivas nas quais outros fenómenos psíquicos e sociais contextualizam um definhamento biológico.
A necessidade de responder ás novas configurações sociais inerentes ao crescimento de uma população sénior capaz e em busca de novos desafios e estímulos intelectuais, de momentos de interacção social, de aprendizagem e de envolvimento cultural e de lazer é hoje incontornável na medida em que é hoje crescente o consenso de que determinadas actividades concorrem no retardar de alguns destes efeitos do envelhecimento. Com a existência de novas ferramentas de estudo, particularmente no campo das neurociências cognitivas, torna-se possível examinar os impactos de diferentes actividades na reabilitação sensorial, cognitiva e motora da população sénior e não só. Está por isso, ultrapassada a ideia generalizada durante o século XX, quer pelo público em geral, quer pelos cientistas de que a partir dos 3 anos, o cérebro não possuía quaisquer capacidades de regeneração ou de produção de novas células.
Neste sentido e como refere Myers (1993), um dos desafios das sociedades é desenvolver actividades para as pessoas seniores nas quais elas possam encontrar um sentido de significado e perspectiva, fortalecendo ainda atitudes de decisão e de autonomia para desta forma prolongarem o período denominado “a nova terceira idade”.
A integração e o envolvimento pró-activo dos seniores num processo profiláctico de manutenção ou alcance de um estado de bem-estar físico, mental e social são desejáveis. A participação em novos desafios que façam os seniores sentirem-se úteis, capazes, activos, motivados e autónomos, com objectivos individuais e colectivos nas suas vidas, constituem elementos essenciais no contexto de um envelhecimento bem-sucedido (Neri, A. L., Cachione, M., 1999). Permitem que se possa adiar, reduzir ou até eliminar o período subsequente representado pelo declínio e a dependência, hoje características abraçadas pela chamada quarta idade. Possibilita-lhes continuar a controlar suas próprias vidas e ficar por mais tempo nas suas próprias comunidades (Victor, C., Scambler, S., Bond, J., Bowling, A. & Being et al. (2000), retardando a eventual necessidade de institucionalização.
Por estes motivos, são hoje considerados fundamentais a existência de novas formas de sociabilidade e de novos modelos de intervenção locais, promotores de oportunidades de participação em desafios que permitam não somente a manutenção mas também o desenvolvimento de níveis óptimos de funcionamento físico, mental e social assim como de desempenho desta população. Elementos estes que revestem o termo Qualidade de Vida (Bowling, 2001).
Foi neste sentido que através do Conservatório Sénior procurámos criar oportunidades nas quais as pessoas, adultos com mais de 55 anos, encontrassem um outro sentido de significado e de perspectiva, fortalecendo atitudes de decisão e de autonomia, integrando-se e envolvendo-se de forma pró-activa num processo profilácticos de manutenção ou alcance de um estado de bem-estar físico, mental e social. Através da prática musical, tem sido possível propor novos desafios que permitam usufruir por mais tempo das tais características próprias da terceira idade, que possam contribuir para adiar e reduzir o período subsequente representado pelo declínio e a dependência, hoje características abraçadas pela chamada quarta idade.
A nova valência criada – Conservatório Sénior do Orfeão de Leiria, nascida no domínio de uma organização cultural do terceiro sector, consiste numa nova forma de intervenção específica e de sociabilidade que permite o envolvimento e a acção dos seniores dentro da sociedade civil através das artes. Estimula a participação activa e efectiva dos seniores em actividades de cariz, quer formativo quer social. As actividades envolvem essencialmente processos dinâmicos de aprendizagem autocrítica, contextualizados e ajustados á população sénior e eminentemente centrados na prática musical e que utiliza a dança, o movimento, a tecnologia e a cultura. 
O Conservatório Sénior do OL/CA constitui-se como um projecto educativo e formativo, centrado na participação e na valorização da divulgação cultural. É neste sentido igualmente um projecto social e de saúde que pretende contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos seniores, assim como profilaxia para a solidão e o isolamento social.

A música e os paradigmas científicos
É no entanto importante distinguir neste contexto, o nível de relação com a música, com a cultura e com as artes privilegiadas neste projecto. Trata-se de uma relação que vai muito além da mera contemplação, da escuta passiva, da sensação, da ocupação do tempo ou de um fruir estético reformado e conformado, muitas vezes aliado a uma recepção mais ou menos passiva da relação com a música e com as artes. A tónica distintiva no Conservatório Sénior, reside no envolvimento através de um nível de participação assente na articulação dos vários interesses pessoais e que permite a aquisição e a partilha de conhecimentos e saberes, valorizando a experiência criativa, crítica, reflexiva e real (Milhano, 2009). A acentuação da importância da aplicação e da valorização das suas capacidades, dos seus desempenhos associados ao fazer, ao tocar, ao cantar, ao interpretar, ao experimentar, ao expressar, ao sentir, permite incorporar junto dos seniores, um conjunto de disposições intelectuais, criativas e sociais mais duráveis e sustentáveis.
Exemplos dos impactos que estas actividades desempenham são enunciados pelos vários estudos que demonstram que ouvir, mas particularmente interpretar e compor música são actividades que envolvem quase todas as áreas do cérebro bem como quase todos os subsistemas neuronais (Thaut, M. H., 2007). De facto, o deambular do século XXI, trouxe-nos ferramentas que em tempo real e tridimensional, permitem à neurociência aprofundar os seus conhecimentos e descobrir um pouco mais sobre como funciona o cérebro humano. Paradigmas que consideravam que o ser humano ia perdendo células cerebrais ao longo da sua vida sem qualquer capacidade de geração de novas células, transformam-se em eufemismos, dando lugar ao conhecimento de que, afinal, é possível estimular o desenvolvimento de novas sinapses e com esta comunicação, o desenvolvimento de novas células. É neste sentido que a análise de novos paradigmas não só sociais como também científicos emergem, e a Música faz cada vez mais parte dessa mudança.
Estudos têm demonstrado que a prática musical gera as conexões neuronais e novas sinapses também utilizadas para o pensamento abstracto, incluindo aquelas necessárias para a compreensão, por exemplo, de conceitos matemáticos. Ou seja, considera-se que a prática musical, e não apenas a mera acção de escuta passiva da musica, condiciona o cérebro na execução de tarefas similares àquelas que desempenha na resolução por exemplo de problemas matemáticos, como é o caso do resultado das relações espaciais entre a representação visual e linear e as alturas de som (frequências) presentes quando se interpreta música.
Os estudos mais marcantes do impacto da prática musical, são os estudos desenvolvidos na Europa sobre a prática musical, nomeadamente apresentados por Bangert, M. & Altenmüller, E. O. (2003). Estes investigadores demonstraram que a complexidade inerente á interpretação musical, particularmente do piano, na medida em que envolve a necessidade de coordenação das mãos em simultâneo, a confluência dos aspectos melódicos, harmónicos e rítmicos, ligados ao desenvolvimento de processos de estimulação integrada dos sentidos, da atenção, da memória e das capacidades cognitivas tornam esta actividade de tocar piano uma das mais interessantes. A sustentabilidade destes efeitos conduziu a que esta actividades fosse por isso por isso também objecto da oferta formativa do Conservatório Sénior através do Seniors@Piano, que de uma forma inovadora e pedagogicamente adaptada através do recurso a tecnologia de ponta, todos independentemente da idade avançada pudessem aprender a tocar piano e ler notação musical e usufruir dos benefícios da sua prática.
Um outro estudo desenvolvido nos Estados Unidos, denominado «Music Making and Wellness Project», cujos resultados foram apresentados por Frederick Tims no simposim Music Medicine: Enhancing Health Trough Music demonstra e reforça esta noção de que a participação dos seniores em aulas de piano reduziu os valores dos três factores críticos associados ao stress – ansiedade, depressão e solidão, estimulando o sistema imunitário e melhorando a sua saúde. Este estudo, efectuado por uma equipa multidisciplinar, acompanhou o desenvolvimento de várias medidas de saúde num total de 130 pessoas, distribuídas por dois grupos seniores, aposentados, equivalentes no respeita á idade, género, localidade de residência, estado civil e etnia. O grupo experimental, constituído por 61 pessoas, teve aulas de piano durante 10 semanas e o grupo de controlo num total de 69 pessoas não participou em quaisquer aulas de piano. Foram verificadas alterações importantes nas três áreas dos parâmetros de qualidade de vida nos seniores expostos á prática de piano (AMC, 2007).
Assim, verificou-se que os valores de ansiedade medidos a partir do teste MHI apenas baixaram para o grupo com aulas de piano, mantendo-se duráveis após 20 semanas. Os decréscimos nos valores da ansiedade estão relacionados com melhorias no desempenho cognitivo, na aprendizagem, na tomada de decisões e na sensação de bem-estar. No teste POMS, mediram-se os valores da depressão que apenas diminuíram no grupo de seniores com aulas de piano. Estas medidas são consideradas como tendo implicações em vários aspectos da vida e no apoio social, constituindo um dos principais problemas no envelhecimento. Os valores registados na escala de solidão (UCLA Loneliness Scale) foram decrescendo á medida que iam decorrendo as aulas de piano e apenas para este grupo. Este indicador revela que os seniores praticantes de piano foram alterando a sua percepção interna de solidão, a sua sensação de estar só. Um facto interessante é o do não registo de alterações nos resultados do teste Lubben Social Support que mede o apoio externo dado nomeadamente pela família ou por outras pessoas. Ou seja, a alteração nos valores referentes á sensação interna de solidão deveu-se essencialmente ás aulas de piano, provocando melhorias na saúde e na sensação de bem-estar dos praticantes.
Outros investigadores observaram os benefícios da participação em actividades de prática musical (Schellenberg, E.G., 2003; Gaser, C., & G. Schlaug., 2003). Tocar piano, quer para seniores iniciados quer para seniores com prática anterior, pelos aspectos inerentes a essa prática musical efectiva, criativa e participante contribuem para a reabilitação de aspectos da coordenação motora e neurossensorial bem como para o aumento da sensação de relaxamento e de bem-estar emocional aliado á diminuição da ansiedade, da depressão e da percepção da solidão (Cohen G., Perlstein, S., Chapline, J., Kelly, J., Firth, K. & Simmens, S., 2006).
Através do Conservatório Sénior foi possível conceber um novo espaço de acção sociocultural sustentado e fundamento nas mais recentes investigações sobre o impacto da musica e da sua prática, através de uma proposta de valorização do envelhecer com actividades e programação contextualizadas que conduzam a melhorias de indicadores sociais, comportamentais, de saúde mental, de saúde em geral e de qualidade de vida. O Conservatório Sénior, através da música, possibilita aos seniores continuarem controlar as suas vidas, criarem ou ficarem por mais tempo nas suas próprias comunidades, retardando a eventual necessidade de institucionalização ou transformando o conceito numa residência activa, contribuindo para a preservação e restauração do capital social (Milhano, 2009).
O envolvimento nos desafios intelectuais propostos tem significados individuais e colectivos, criando oportunidades aos seniores de pertencerem e contribuírem como membro activo de um grupo através de um convívio salutar, alegre e útil. Porque saber usufruir destes momentos de interacção social e das oportunidades de aprendizagem, expressão, envolvimento, participação e criação musical, cultural e de lazer, mantêm e criam interesses colaborando para que a mente se mantenha activa e saudável.

 

Referências

Bangert, M. & Altenmüller, E. O. (2003). Mapping perception to action in piano practice: a longitudinal DC-EEG study. BMC Neuroscience, 4 (26).

Bowling, A. (2001). Measuring disease: A review of disease-specific quality of life measurement scales. (2nd ed.). Buckingham: Open University Press.

Cohen G., Perlstein, S., Chapline, J., Kelly, J., Firth, K. & Simmens, S. (2006). The Impact of Professionally Conducted Cultural Programs on the Physical Health, Mental Health, and Social Functioning of Older Adults. The Gerontologist, 46 (6), 726–734.

Gaser, C., & G. Schlaug. (2003) Brain structures differ between musicians and non-musicians.
Journal of Neuroscience, 23, 9240-9245.

Milhano, S (2009). A Arte de Viver – Viver com Arte. Actas do X CongressoLab. ICS. Universidade do Minho.

Myers, J. (1993). Personal Empowerment. Journal of the International Federation on Ageing, 20 (1), 3-8.

Neri, A. L., Cachione, M. (1999). Velhice bem sucedida e educação. In A. L. Neri & G. Debert (Org.). Velhice e sociedade. Campinas: Papirus.

Schellenberg, E.G. (2003). Does exposure to music have beneficial side effects?. The Cognitive Neuroscience of Music. I. Peretz & R.J. Zatorre (Eds.). New York: Oxford University Press,
430-448.

Sluzki, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica. C.Berliner (Trad.). São Paulo: Casa do Psicólogo, pp. 5-147.

Thaut, M. H. (2007). Rhythm, Music, and the Brain. Scientific Foundations and Clinical Applications,Routledge.

AMC. (2007). Music Making - Wellness. American Music Conference.

Victor, C., Scambler, S., Bond, J., Bowling, A. & Being et al. (2000). Alone in later life: loneliness, social isolation and living alone, Revista Clínica Geronto, 10, 407-17


              

Escrito por Sandrine Milhano
Desde Portugal
Fecha de publicación: Julio de 2009.
Artículo que vió la luz en la revista nº 0012 de Sinfonía Virtual

 
 

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